terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Vou-me embora


Digo em voz baixa:
vou-me embora,
vou fugir
da prisão do meu país...
Mas sofrendo o exílio
mesmo antes de partir
eis-me sempre regressando
à pátria donde não saí.
Nem sei o que me prende 
realmente.
se os campos serenos
da aldeia onde cresci,
se as praias sem fim
onde aprendi meu país,
esta poesia atlântica
que circula
da paisagem para mim.



No Princípio Era o Mar, p.91

Vento soão





Por vezes apetecia que viesse
vento soão
e que vento soão trouxesse
em suas crinas ardentes
recordações da savana.
A voz de samba, meu amigo fula,
a de Bakar, velho mandinga.
Por vezes apetecia partir de novo
para as bolanhas da Guiné,
subir o Geba de barcaça
e aproar em Bafatá.
Apetecia conversar crioulo
com as gentes do chão gabu
esquecendo a guerra em vão
que outrora nos aproximou.



No Princípio Era o Mar, p.90

Sentado nas areias


Sentado nas areias
de uma praia portuguesa,
lanço meus olhos ao mar antigo.

E pensando meu país,
recordo gaivotas caravelas
que partindo
não voltaram da aventura.

Insisto como onda
sobre o sonho que não há.



No Princípio Era o Mar, p.88

Alguns morreram afogados


Alguns morreram afogados,
outros de sede,
por não poderem beber
o sal das lágrimas 
que choravam.
Poucos voltaram para contar
das selvas e sertões
que desvendaram.
mas todos cumpriram
a missão de Portugal:
partir por partir
não para chegar.



No Princípio Era o Mar, p.89

Das praias ocidentais eu te saúdo




Das praias ocidentais eu te saúdo,
abismo, onde à procura me perdi,
sem nunca ter chegado ao fim.





No Princípio Era o Mar, p.87

Um pouco de nós morreu contigo



Muitos disseram não
à vida que sofriam,
sobrevivendo.
Tu, amigo, não,
disseste não, morrendo,
disseste não, inteiro,
decepando o silêncio
que tua procura envolvia.
Chorar-te, amigo,
não vale a pena.
Ousaste olhar de frente
o largo mar azul
que ninguém mais via.
Quiseste
no mês de maio
matar a esperança
que nos prendia
e um pouco de nós
morreu contigo.




No Princípio Era o Mar, p.85

Entre saudade e regresso

Entre saudade e regresso,
a palavra mar trazendo
a pátria dentro de mim.
Na distância do exílio,
a palavra liberdade
rimando com Portugal.





No Princípio Era o Mar, p.84

Poesia pode rimar com mar

POESIA PODE RIMAR COM MAR
No Princípio Era o Mar, p.83

Poesia pode rimar com mar ...
Basta sofrer versos de vento ,
ritmos de sol
e navegar no tempo
sem naufragar .

Poesia pode rimar com mar ,
todos os dias ...
É ser português em Portugal
saudar no oceano o infinito
e descobrir de novo
um mundo novo 

Madrugada a madrugada




Sabes o segredo
das noites vigilantes
entre cordas de guitarra
maresia e Portugal.
Sabes estrelas de maio
praias desertas
e poetas proibidos.

Sabes imenso do passado
dos dolorosos passos
de meu país cativo, 

dessa palavra liberdade
que a seara da saudade
em revolta transformava,
madrugada a madrugada


No Princípio Era o Mar, p.80

Perder-me na terra da manhã




Perder-me na terra da manhã
vestir-me de musgo
e cheirar a hortelã.
Esgueirar-me como lebre
por entre as sebes do medo,
subir às árvores e perder-me
na distância do horizonte.
pedir aos ventos que me tragam
asas de andorinha
e percorrer vales e prados
à procura de mim mesmo.
Acordar de madrugada
sem que as rolas me despertem,
mudar o sol para o meu olhar
e rasgar as vestes negras
que meus braços entorpecem.
esquecer-me de quem sou
e, sem nome nem destino,
semear laivos de fogo
no joio das multidões.



No Princípio Era o Mar, p.78

Sobre os medos do passado




Ter nas mãos o beijo
das fores à primavera
e descobrir
esmeraldas espirituais
na minha caminhada.
Ter cume de montanhas
no planalto do meu peito
e vibrar pelas veias
de um sangue embriagado
Ser firme promontório
sobre os medos do passado
e apontar rumos sem fim.



No Princípio Era o Mar, p.79

Apetecia descobrir meu país desconhecido



Apetecia descobrir meu país desconhecido
ser Fernão Mendes Pinto
em mil novecentos e setenta e cinco.
Apetecia descobrir na terra 
outro mar desconhecido,
dar novos sagres ao mundo
descobrir dentro de mim.
Apetecia partir sem ninguém saber
inventar uma pátria universal
com a capital no coração
mostrando a toda a gente
que ainda sou descendente
dos lavradores navegantes.



No Princípio Era o Mar, p.77

Elevar meus momentos esquecidos





Elevar meus momentos esquecidos
à sublime altura das estrelas
em noites de combate.
Converter em mãos erguidas
as secretas palavras
que em torno de mim gravitam.
Aventurar-me na poesia
e transformar os dias
em flores e sinfonias.



No Princípio Era o Mar, p.74

Neste quarto degredo






Neste quarto degredo
onde me guardo,
meus poemas prometem
nevoeiro.
Quando abro a janela
e para lá das nuvens
as estrelas vou contando
já nem sei se estou sonhando.
Ébrio de nuvens, sou bandarra
e trova a trova vou cantando
el rei dos revoltados.

Partir de novo






Perdido o mar antigo,
das sete partidas voltámos
ao sítio da partida.

E partir de novo
porque não?
Dizem alguns
de rosto tisnado
pelos sóis do sertão.
Porque não partir
se há tanto mar
por desvendar?

Não. Partir de novo , não!
Respondem outros
cansados e sem revolta.
Não queremos outra derrota.
Nosso lugar, agora,
é ter de ficar aqui
nestas terras e areias.
Partir de novo, não,
já perdemos o jeito de semear
e os próprios desertos
já nem desertos são.

Este povo já não são
os navegantes
que venceram a dor
no corpo mar das amantes.
Este povo já não são
poetas de palavras caravelas,
este povo já não somos,
portugueses.

Perdemos o sentido
e perdidos
nos perderam confundidos.
Somos agora velhos cansados
sem olhares de sol
luzindo em noites de maio.
Nossos corpos amolecidos
no prazer das coisas fáceis
já não conseguem suster
o peso das amarras.
Derrota é mais do que prisão
do que naufrágio
é vergonha de sermos
e remorso sem revolta.

Perdido o mar antigo,
das sete partidas voltámos
ao sítio da partida.
E partir de novo
porque não?
Dizem alguns
de rosto tisnado
pelos sóis do sertão.
porque não partir
se há tanto mar
por desvendar?
Não. Partir de novo , não!
respondem outros
cansados e sem revolta.
Não queremos outra derrota.
Nosso lugar, agora,
é ter de ficar aqui
nestas terras e areias.
Partir de novo, não,
já perdemos o jeito de semear
e os próprios desertos
já nem desertos são.

Este povo já não são
os navegantes
que venceram dor
no corpo mar das amantes.
este povo já não são
poetas de palavras caravelas,
este povo já não somos,
portugueses.
Perdemos o sentido
e perdidos
nos perderam confundidos.
Somos agora velhos cansados
sem olhares de sol
luzindo em noites de maio.
Nossos corpos amolecidos
no prazer das coisas fáceis
já não conseguem suster
o peso das amarras.
Derrota é mais do que prisão
do que naufrágio
é vergonha de sermos
e remorso sem revolta.

Quantos ficaram para sempre



Quantos ficaram para sempre
nos fundos do mar alto
tão longe do continente?
Quantos bartolomeus naufragaram
depois da boa esperança,
para que a índia continuasse
além a que jamais chegámos?


No Princípio Era o Mar, p.67

Uns aos outros nos acusamos



Pelos caminhos da noite
nos perdemos
sem memória nem futuro.
Uns aos outros nos acusamos
sem esperança no que fomos
nem lembrança do que fomos.
Uns aos outros nos acusamos
sem força para determos
as ondas trevas que nos levam
à beira mar da morte.

As palavras portuguesas



Dizer-te uma a uma 
as palavras portuguesas 
que nos proíbem de cantar. 

Palavras como 
saudade, mar, liberdade, 
que os livros de Portugal 
trazem em letras de sangue.



No Princípio Era o Mar, p.64

Meu corpo teu corpo



Teu corpo róseo segredo
que de noite percorro
cheio de medo

Teu corpo silêncio
foz do meu sangue
sinuoso corpo longo
que mãos em fogo
vão sulcando.
Teu corpo de mulher
e meu desejo

Teu corpo de aventura
a embriagar-me de ternura
Joelho redondo, restos de sol
mais adiante musgo lã
seios sonho lábios lume
silêncios beijo perfume
Meu corpo, teu corpo
meu corpo no teu corpo
e o amor nos dois.




No Princípio Era o Mar, p.61

Delirando amor



Teus lábios- morango
Meus beijos - desejo

As mãos de meu corpo
peregrinando no teu
sem terem segredo.

Dedilhar a lira
dos teus braços
e, delirando, amor
entontecer.

Para quê sonhar
manhãs de nevoeiro
e messias que não há
se tuas mãos, mulher,
me apetecem?



No Princípio Era o Mar, p.59

Dois corpos livres de algemas


Dois corpos livres de algemas
um no outro se prendiam
um no outro se perdiam
quando o silêncio da noite
no rumor do vento murmurava
e a lua cheia prateava
lagos de água parada.
Dois corpos cheios de sede
na fonte do amor sorvendo
a dor alegria de viverem.


No Princípio Era o Mar, p.60

Saudar a noite misteriosa



Não apetecem teorias
de palavras meditadas
Mais vale saudar
a noite misteriosa
pegar em Rilke
sentir estrelas de maio
e em sebastião da gama 
descobrir
que a morte já não é fim

Pôr na estante
os manuais do pensamento
abrir a janela
e deixar entrar a brisa

A imensidão da noite
satisfaz!



No Princípio Era o Mar, p.58

Pela noite companheira



Pela noite companheira
meu corpo deslizar de cobra
na carícia do lençol
Pela noite companheira
meu corpo girassol
em redor do teu calor
Pela noite companheira
meu corpo no teu amor.



No Princípio Era o Mar, p.56

Teu corpo aberto à noite



Quando brumas de sonho
orvalhavam meu rosto
teu corpo uma flor
de pétalas trementes
que mãos de sede
em segredo iam colhendo
Teu corpo aberto à noite
que braços de amor
em silêncio vão cerrando.



No Princípio Era o Mar, p.57

Leva, tua pele



Leve tua pele
me prende
ao que não sei
e, sonolento,
por teu corpo
já pressinto
mais além.
Um beijo de sol
nos lábios da flor
meu sangue
lavrando
teu amor
Em teu calor
a poesia do inverno
verde e cinza
sob o dossel
do horizonte.



No Princípio Era o Mar, p.53

Na madrugada breve



De brumas me enredei
na madrugada breve
em que vieste mansa
fazer ninho nos beirais
da minha esperança.



No Princípio Era o Mar, p.54

Morna





A morna cola meu corpo
ao calor do teu
e o ritmo dolente
da viola,
morabeza das ondas
que murmuram
vai prendendo
teus olhos de sol
aos meus olhos de mar.



No Princípio Era o Mar, p.52

Ir de porto em porto






Ir de porto em porto
procurando a boa sorte
aproar em teu amor
e sossegar meu corpo
cansado de não chegar
Proteger-me da tempestade
e aguardar bonança
pedindo aos deuses do mar
brisas de sonho.
Navegar, navegar,
navegar sem naufragar,
até os mastros rangerem
e as cordas retesarem.
Perseguir sempre a aventura
e não querer mais regressar
às praias donde parti.



No Princípio Era o Mar, p.44

Vou de partida




Vou de partida
procurar mudança
as mãos vazias
de lembrança
e a dor
de amor ausente
no silêncio caminhante

Vou de partida
repartindo
meu presente
pelas coisas do passado
No bornal apenas
alguns poemas
por fazer
e o desejo
de vencer.

O que importa é partir
caminhar, conhecer,
descobrir
O que importa é comer
o pão e a água
do viajante
ser vagabundo
e português

Vou de partida
procurar mudança.



No Princípio Era o Mar, p.49